segunda-feira, 29 de junho de 2009

Homicídio passional: qualificado ou privilegiado?

Vale enfatizar que, o assassino passional raramente se arrepende, isto poderá ser constado quando passarmos ao estudo dos casos concretos. Geralmente estes matadores eventuais são, em sua maioria, homens, mas também existem mulheres que cometem este tipo de delito, por terem uma personalidade extremamente vaidosa, serem pessoas ciumentas, possessivas e inseguras, e além de tudo isso existir a falta de amor próprio. Afinal, como bem diz um jargão popular “ninguém é de ninguém”, e cabe a cada um se conformar com uma perda.

Para algumas pessoas a traição ou fim do relacionamento os leva a tentar destruir seu objeto de desejo, isto está diretamente ligado com a personalidade de cada um e sua carga cultural. Raramente podemos prever que alguém matará, principalmente diante de tais circunstâncias. 

No entanto, as mulheres costumam ser mais resistente e quando traídas a maioria perdoa ou tenta o suicídio, pois, historicamente, a educação lhes dá mais tolerância. No entanto, quando cometem este tipo de crime às vezes são mais cruéis que os homens. Quem nunca ouviu falar numa mulher traída que jogou água quente no ouvido do marido quando o mesmo estava dormindo ou cortou o seu órgão genital?

Leon Rabinowcz explica bem o aludido acima:
a mulher traída nem sempre se vinga sobre o marido ou sobre sua cúmplice. Com freqüência perdoa, por vezes suicida-se de desespero, quando se vê abandonada para sempre, mas quando toma o partido de se vingar, a sua vingança é atroz. É um traço característico da psicologia da mulher. Exasperada, passa a ser um monstro de ferocidade, que só respira vingança e só pensa em submeter a sua vítima aos mais atrozes sofrimentos. São verdadeiras especialistas da dor24.Um exemplo real de uma homicida passional mulher e bastante cruel é o caso de Neide Maria Lopes, que ficou conhecida como a “Fera da Penha”, que em 06 de junho de 1960, para vingar-se do amante, apanhou a filha deste no colégio, uma menina de apenas 04 anos de idade, e após andar a esmo por vários locais, a levou a um terreno baldio, localizado em frente ao Matadouro da Penha, onde lhe deu um tiro na cabeça e, em seguida, com a criança ainda viva, derramou-lhe álcool sobre o corpo e ateou-lhe fogo. Foi condenada a uma pena de 33 anos de reclusão.25 

Mas, vale ressaltar que os homens são tão ciumentos quanto as mulheres, e, que em alguns casos também utilizam-se da perversidade. 

Um outro exemplo real de crime passional cometido com requintes de crueldade, só que desta vez por um homem, foi o caso daquele marido que, na Guanabara, em 1998, num acesso de ciúme, amarrou as mãos e os pés da esposa, colocou esparadrapo na boca e, em seguida, sem que ela pudesse fazer qualquer movimento de defesa, após arrancar-lhe a roupa, deslizou um ferro de passar em brasa, sobre toda a pele do seu corpo, até que ela, inteiramente queimada, veio a morrer
26.

Enfim, a partir de tudo o que foi dito, conclui-se que não existe uma característica física ou psicológica individualizadora dos homicidas passionais, cada um possui características quase que imperceptíveis na sua personalidade, que só depois de determinadas situações é que são extravasadas, exteriorizadas.

2.2 A imputabilidade de acordo com o art. 26 do Código Penal

Para haver um entendimento melhor sobre esse ponto, necessário se faz o conhecimento dos sistemas. Esses sistemas são critérios que a doutrina se utiliza para definir a imputabilidade ou a inimputabilidade do indivíduo. 

Têm-se o sistema biológico, que entende que inimputáveis são aquelas pessoas que tem determinadas doenças, não se fazendo maiores questionamentos. Nesse caso não se discute os efeitos da doença nem o momento da ação ou omissão, só é examinada a causa (moléstia). Em síntese, considera apenas as alterações fisiológicas no organismo do agente.

O segundo sistema é o psicológico, aqui só se questiona o efeito, ou seja, a capacidade intelectiva e volitiva no momento da ação ou omissão. É afastada qualquer preocupação a respeito da existência ou não de doença mental.

Já o terceiro sistema, que é o adotado pelo Brasil conforme poderá ser verificado mais adiante, é o biopsicológico. Aqui o agente em conseqüência da doença perde a capacidade, volitiva ou intelectiva, no momento da ação ou omissão. Em resumo, toma em consideração a causa e o efeito.

Vale ressaltar que no Brasil há uma exceção à regra, pois foi adotado o sistema biológico quanto aos menores de 18 anos.

Depois desse breve explanação acerca desses critérios, passaremos a análise da imputabilidade penal de acordo com o artigo 26 do Código Penal Pátrio.

Não há dúvida que as paixões perturbam a mente e que podem ser causas ocasionais de moléstias mentais
27 . Porém, para atribuir a cada delito uma justa medida, é preciso considerar as paixões que levaram uma pessoa a violar a lei, não moralmente nem socialmente, mas psicologicamente, ou seja, é necessário saber da existência ou não de uma patologia comportamental para ser aplicada corretamente a norma penal.

Nas palavras de Luiz Ângelo Dourado, pode-se entender que nem todos os homicidas passionais sofrem de algum mal que os torne inimputáveis, ele diz que “de um modo geral e de acordo com a doutrina psicanalítica, a criminalidade não é uma tara, mas defeitos de educação
28 “.

Então, podemos concluir que nem todos os homicidas passionais sofrem de algum tipo de doença mental. A maioria comete este delito por um desequilíbrio emocional momentâneo e que não é considerada uma patologia. São movidos, muitas vezes, pela educação que receberam, de uma sociedade, ainda, com resquícios do patriarcalismo, influindo no comportamento das pessoas.

Então, para o estudo do art. 26 do CPB é necessário ter em mente que os homens são iguais perante a lei, mas profundamente diferentes sob o ângulo biológico e psicológico. E é justamente neste ponto que se diferencia um ser imputável de outro inimputável.

Existe de acordo com o Direito Penal e o Direito Processual Penal a necessidade de se compreender o delinqüente, para que se conheçam as forças psicológicas que o levaram ao crime. Por isso, o art. 26 está no Código Penal para garantir que as pessoas realmente doentes tenham o atendimento apropriado, mister, no entanto, se faz o exame psiquiátrico, através do incidente de insanidade mental do criminoso.

O incidente, que é uma perícia, ocorre quando há dúvidas acerca da sanidade mental do acusado, para dirimir imprecisões sobre a formação intelectual. Este exame pode apresentar dois laudos, um afirmando que a pessoa era imputável ao tempo da ação, ou então o laudo declara que a pessoa era inimputável, ou seja, não tinha a capacidade de entender o caráter ilícito do fato nem de se comportar de acordo com esse entendimento. E pode, ainda, ser constado a semi-imputabilidade.

No entanto, para um indivíduo ser considerado inimputável, não é necessário apenas que seja portador de uma doença mental ou desenvolvimento mental retardado, é indispensável à coexistência também da pessoa ser inteiramente incapaz de entender o caráter criminoso do fato e de se comportar de acordo com esse entendimento.

Nestes casos, o fato é típico e antijurídico, mas o agente não pode ser penalizado ante a falta de culpabilidade. Então, comprovada a sua autoria, o agente inimputável é absolvido sendo aplicado à devida medida de segurança. 

No assunto proposto, será analisado delimitadamente, os homicídios passionais provenientes de relacionamentos amorosos e/ou sexuais, pois, muitas vezes o agente já é possuidor de um ciúme patológico, e outras vezes desenvolvem uma patologia a partir de uma idéia fixa. Essas pessoas serão consideradas inimputáveis se ao momento da ação era incapazes de entender o caráter censurável do fato ou de comportar de acordo com esse entendimento. 

Como bem apresenta Roque de Brito Alves em uma de suas obras:
toda idéia fixa conduz a um desvio da mente, do sadio pensamento, provocando por sua monopolização da vida psíquica as mais repentinas sanções emotivas, bem visíveis no ciúme, pois lhe serve de alimento contínuo29 .Mas, esses desvios mentais nem sempre são considerados doença, pois nem “todo ciúme é patológico, nem sempre é paranóico, embora possa facilmente chegar a sê-lo pelo ciúme delirante, obsessivo30 ”.

Portanto, paixões psicológicas, mesmo violentas, não podem constituir dirimente da responsabilidade penal, salvo quando adentrarem no domínio da patologia.

2.3 Diferenças entre doença psicológica e descontrole emocional

Muitos delinqüentes atribuem à paixão aos crimes que cometem quando, na verdade, o que os motivou foi uma doença psicológica. Por isso se faz necessário saber diferenciar uma doença psicológica de um descontrole emocional, pois cada uma tem repercussão individualizada no ordenamento jurídico. 

Em certos casos a paixão é uma espécie de obsessão, mas há a necessidade de se verificar quando esta obsessão, idéia fixa é patológica. Um dos requisitos necessários para ficar configurada a inimputabilidade do agente é a patologia do individuo no momento do crime. 

O Professor Genival Veloso de França ao estudar os transtornos mentais e comportamentais faz a seguinte classificação entre as síndromes mais comuns, que são: a esquizofrenia; a psicose maníaco-depressiva; a paranóia e as personalidades psicopáticas.

A esquizofrenia é uma psicose endógena, de forma episódica ou progressiva, de manifestações variadas, comprometendo o psiquismo na esfera volitiva e intelectiva. É a mais freqüente das psicoses, no entanto, não se sabe se esse mal é uma entidade clínica, uma síndrome ou um modo existencial.

Este tipo de psicose pode levar a uma variedade muito grande de delitos, exóticos e incompreensíveis pela sua inutilidade. Os mais graves são decorrentes da forma paranóide. Em regra, o crime desses pacientes é repentino, inesperado e sem motivos. 

Surgem na evolução desse mal, tendências ao suicídio, automutilações, agressões, roubos, atentados violentos ao pudor e exibicionismo. Uma das características dos portadores desse transtorno mental é a tendência repetitiva e estereotipada dos delitos, e sua marcha interrompida instantânea e inexplicavelmente.

Um outro tipo de transtorno mental elencado por Genival França é a psicose maníaco-depressiva, ele explica que este tipo de transtorno mental é cíclico, com crises de excitação psicomotora e estado depressivo, isoladas, de intensidade, duração e disposições variáveis, sem maior repercussão sobre a inteligência. Neste caso, para se verificar a imputabilidade, leva-se em consideração estar ou não o paciente com a sintomatologia do mal.
31 

O certo é que, em todos os delitos dos portadores dessa enfermidade, devem ser pacientes considerados semi-imputáveis ou inimputáveis, o que equivale no nosso Código Penal, à privação parcial ou total da razão.

A terceira espécie é a paranóia, que é um transtorno mental marcado por permanentes concepções delirantes ou ilusórias, que permitem manifestações de egocentrismo, conservando-se claros o pensamento, a vontade e as ações. O paranóico tem alto conceito de si próprio.

A paranóia se manifesta de várias formas, e uma delas é a paranóia de ciúme, que é considerado um delírio que tem desenvolvimentos artificiosos, lentos e progressivos, sem nenhuma motivação caracterizadora. Pode eclodir por cenas violentas de ciúme ou de escândalo público, com separação ou abandono do cônjuge. Algumas vezes, acusam a esposa de infidelidade, vigiando-lhe os passos ou analisando a fisionomia dos filhos, a fim de compará-los com as do suposto amante da mulher.

Um caso hipotético que bem ilustra este tipo de transtorno é o personagem problemático de Shakspeare, o clássico Otelo.

A tragédia de Otelo como assim ficou conhecida, é uma história de um amor verdadeiro, mas que foi envenenado pelo ciúme e levou seu ator principal, Otelo, ao cometimento de um homicídio. Ciúmes esses sem reais fundamentos, baseado apenas na maldade e ambição de uma pessoa que Otelo acreditava ser seu amigo. Todavia, este amigo, Iago, serviu-se de um acaso e implantou e fez crescer um sentimento destrutivo em Otelo. Este, certo dia, transtornado pelo ciúme matou cruelmente sua esposa asfixiada
32 . 

Pois, como já ilustrado, os portadores desse transtorno são passíveis de todas as formas imagináveis de delito, que vão desde a calúnia ou a difamação até o homicídio. Seriam eles colocados na posição de semi-imputáveis. Apesar de os paranóicos tenham conhecimento da lei e da moral, e uma dose de pensamento e de ações normais, devem ser incluídos como inimputáveis, pelo tratamento de que podem dispor e pelo prejuízo que lhes pode trazer o cárcere.

Já as personalidades psicopáticas também podem se apresentar de diversas formas, mas, não são essencialmente, personalidades doentes ou patológicas, pois seu traço mais marcante é a perturbação da afetividade e do caráter, enquanto que a inteligência se mantém normal ou acima do normal.

Precisamente, estariam eles colocados como semi-imputáveis, pela capacidade de entendimento. 

Porém, já para deixar esclarecida a diferença entre doença psicológica e descontrole emocional levemos em consideração a opinião e a classificação mais simples da psicóloga Maria Auxiliadora, em uma entrevista dada a Revista Primeira Impressão, em julho de 2002, onde ela afirma que “podem existir, entre milhares de pessoas diferentes, três tipos de assassinos passionais: o neurótico, o psicótico e o psicopata
33 ”. 

Os neuróticos servem para classificar as pessoas normais que, em um momento extremo, cometem o crime, mas depois se arrependem.

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